A janela é pequena,
talvez um pouco maior que um livro, mas é ali que cabem os olhos grandes de
Maria. Ela não gosta dos seus olhos, não se entende a si própria, mas entende o
que vê para lá da janela. Para lá da janela há a planície, que não chega tão
longe quanto o olhar de Maria. É uma planície dourada, de ervas secas e rasas,
tão macia como o cobertor de papa que lhe cobre os joelhos. E, no meio da
planície, recortada no fundo claro do céu, vê-se uma árvore em contraluz, que
mais parece um chapéu de chuva aberto, quando o vento o vira ao contrário.
Durante o dia, Maria observa. Ela vê a
árvore na planície, vê os pontos negros dos pássaros a saracotearem-lhe por
cima, vê a sombra do rebanho a passar-lhe por baixo, por vezes vê a silhueta do
pastor a gesticular o cajado, e do cão a correr atrás das ovelhas. Maria não
houve o chilrear dos pássaros, nem o balir das ovelhas, nem o ladrar do cão,
nem os assobios do pastor. Maria vê, somente. Maria não ouve, Maria não fala,
Maria não anda, mas Maria sonha.
Sonha durante a noite. Invariavelmente,
noite após noite, Maria tem o mesmo sonho; ela quer ser como a árvore no meio
da planície. Não quer voar como os bandos de pássaros, não quer vaguear como o
rebanho, nem, tão pouco, ser como o vento que agita a folhagem. Maria quer, tão
só, ser a árvore cravada na terra, entre a erva seca e rasa. A árvore não
sonha, não precisa de o fazer porque, apesar de ser uma árvore solitária, ela
não se sente só. A árvore vive em comunhão com toda a planície; dá repouso aos
pássaros, permite sombra aos rebanhos, sente o carinho do vento e desfruta do
calor do sol. Ao contrário de Maria, a árvore não vê, mas gosta de si própria;
do seu tronco redondo e alto, dos ramos finos como varetas e da copa densa e abaulada.
Se a árvore visse, saberia que naquela casa ao fundo da planície, com uma
pequena janela, vive uma menina de olhos grandes, que passa os dias sentada
numa cadeira, embrulhada num cobertor de papa, e a sonhar com um mundo que não
lhe pertence.
Sonhar
é entrarmos dentro da nossa própria solidão, é irmos ao fundo de nós e
vermo-nos lá fora, através de uma pequena janela. É virarmo-nos do avesso, tal
como o vento vira o chapéu de chuva: pensa Maria. Se eu fosse a árvore poderia
ser também o mundo onde ela habita. Deixaria de ser esta casa vazia e escura,
onde os dias passam tão sós que me parecem viver ao contrário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário